Colonialismos e Colonialidades

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Primeira parte - perspectivas teóricas

Comparativismos Combinados e Desiguais. Repensar o campo dos estudos literários africanos à luz do debate sobre literatura-mundial

Resumo O Projeto “Comparativismos Combinados e Desiguais: Repensar o campo dos estudos literários africanos e pós-coloniais à luz do debate sobre literatura-mundial”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (REF. 2020/07836-0) se debruça sobre um corpus literário e teórico heterogêneo, abordando obras literárias e teorizações oriundas de diversos períodos e contextos visando estabelecer contrapontos entre escritas e autores. Tendo em conta os recentes desenvolvimentos dos debates teóricos e conceituais sobre a literatura-mundial/world-literature a partir da dimensão sistémica formulada por Franco Moretti (2013) e posteriormente desenvolvida e aprofundada pelo Warwick Research Collective (WREC, 2015 e 2020), o projeto pretende repensar os paradigmas críticos que pautam os campos dos estudos literários africanos e pós-coloniais no contexto brasileiro em contraponto com os debates internacionais, procurando mapear suas transformações frente aos desafios que marcam hoje o estudo da literatura e, mais em geral, das Humanidades, dentro e fora do Brasil.

Territórios (disciplinares) sobrepostos #

A relação disciplinar entre estudos literários e estudos de áreas (Spivak 2003), constitui uma das problemáticas centrais no campo comparatista em diversos contextos acadêmicos e geográficos contemporâneos1. A urgência de revisão metodológica e conceitual que marca a literatura comparada a partir do final dos anos 90 corresponde à urgência de (re)definição do campo e do método comparatista, isto é, a da disciplina de literatura comparada como forma de ver e imaginar o mundo (Said 1993; Moretti 2013). O enfrentamento da problemática decorrente de uma dimensão habitualmente denominada como eurocêntrica ou, de modo mais geral, do que vem sendo definido como outro se torna um imperativo crítico central da literatura comparada – como instituição e campo disciplinar – cujas tentativas de resolução deram vida a um diversificado e complexo debate crítico, configurando este tópico como um questionamento urgente e indispensável para (re-)configurar modelos de análise e cartografias críticas que marcam as literaturas comparadas desde pelo menos as últimas três décadas. A propósito das questões relacionadas com o eurocentrismo, é importante evidenciar o que esta categoria significa e mobiliza no âmbito desta minha reflexão e a este respeito, tal como afirma Paulo de Medeiros, é importante notar que:

Dentro do ataque genérico ao eurocentrismo [...] existem duas falhas relacionadas: primeiro, a amalgamação de tudo que é europeu em uma unidade fictícia que, mesmo que tenha alguma correspondência ao sonho de homogeneidade, não possui uma contraparte real numa Europa fragmentada e dividida, frequentemente dilacerando a si mesma e aos seus membros constituintes; segundo, o esquecimento exatamente daquelas partes da Europa que a própria “Europa” tende a esquecer, seus próprios, de forma alguma centrais, outros dominados. (Medeiros 1996, 43)

Torna-se fundamental, neste sentido, reconhecer o caracter e o significado preponderantemente idealista da noção de eurocentrismo, notando como o contínuo deslizamento semântico entre europeu e eurocêntrico - como evidencia o Coletivo de Pesquisa de Warwick ao ler o importante artigo de Rey Chow, “The old/new question of comparison in literary studies: A post-European perspective”(WREC 2020, 79 e ss.) - pode levar a um equívoco em torno dos fatores que determinam uma visão ainda parcelar e, porventura, ultrapassada da literatura comparada, promovendo visões essencialistas e artificiais do que se define por modelo europeu e por eurocentrismo, não procurando evidenciar os fatores e as condições que determinaram o surgir e o persistir destes modelos e visões num entendimento de pendor maioritariamente idealista. Os fatores e o sistema que determinaram uma hegemonia europeia – em termos de modelos e valores – num processo de desmaterialização e homogeneização da Europa que embasa a noção de eurocentrismo, tornam-se fundamentais para (re)definir disciplinas e métodos comparatistas e, neste sentido, vale frisar que: "a ideia de um novo comparatismo nos estudos literários apenas faz sentido no contexto de uma abrangente teoria do sistema-mundial (capitalista)"(WREC 2020, 84).

No âmbito deste debate, a intersecção entre literaturas africanas e teoria pós-colonial como campos de estudos contíguos e em crescente afirmação no contexto acadêmico brasileiro e internacional e, ao mesmo tempo, profundamente transformados por fenômenos de instabilidade metodológica e conceitual - o que vem sendo habitualmente definido como exótico pós-colonial, crise ou morte da disciplina2 - tem vindo a determinar processos de recepção críticas que parecem apontar - ainda que parcialmente - para fenômenos de banalização estética e de esvaziamento conceitual destas literaturas, bem como dos quadros críticos que destas decorrem, para além de sustentarem demarcações disciplinares algo artificiais no que concerne as possibilidades de intersecção entre literaturas comparadas, literaturas africanas e teoria pós-colonial. Observando, por exemplo, tópicos, conceitos e metodologias que pautam a fortuna crítica das literaturas africanas em língua portuguesa nos contextos acadêmicos, por assim dizer, "lusófonos"3 surge um conjunto de teorizações que podem ser sinteticamente sistematizadas através dos seguintes critérios: estudos que se focam na questão da nacionalidade e do nacionalismo literário, procurando evidenciar a convergência entre romance africano em língua portuguesa, nação política e/ou ideários nacionalistas (identidade nacional, literatura e nação, etc.); análises que visam estabelecer relações imediatas – isto é, sem mediação – entre escrita literária e conteúdos culturais e/ou identitários (tradição, identidade cultural, racial, entre outras); abordagens caracterizadas por pressupostos conceituais e paradigmas filosóficos, por assim dizer, globais (poder, violência, exceção, entre outros) articulados a partir de geografias conceituais próprias de contextos ocidentais/europeus, apontando para uma configuração algo problemática do conceito de universal.4

Realçando de antemão a grande diversidade, ainda que só em termos de finalidades (objetivos) e teorias (métodos) subjacentes e, simultaneamente, resultantes destas sistematizações, é possível afirmar que, no caso de determinados tópicos e conceitos, a prática crítica apresenta certo desgaste hermenêutico, configurando alguns destes estudos e abordagens como repetição (ou citação) de caminhos já (há) muito trilhados, ou ainda levando a conclusões imprecisas - quando não equivocadas - sobre os conteúdos sócio-culturais da literatura.5 Serão estes, porventura, os sintomas das (diversas) crises enfrentadas pelos estudos humanísticos em diversas geografias institucionais a nível global e, portanto, também no campo dos estudos de literatura africanas de língua portuguesa, dentro e fora do Brasil? Por outras palavras, o que se verifica hoje no âmbito disciplinar dos estudos das literaturas africanas de língua portuguesa - ou melhor, das literaturas africanas em sentido mais abrangente - é uma aparente urgência de re-definição e re-orientação dos paradigmas críticos que pautam este campo do saber.6 Uma mudança que é primeiramente sugerida, pelas características que se detectam nestas literaturas, ou seja, pelas formas através das quais as escritas africanas do contemporâneo registram suas perguntas, respostas e propostas. A este propósito, pense-se especialmente no significado que possui ainda hoje a observação destas literaturas na perspetiva de sistemas literários nacionais, enquadramento este que parece mais determinado pela necessidade de encarar a nação como momento libertador do colonialismo - isto é, reiterar a afirmação de uma nação literária - mais do que para observar as modalidades através das quais a literatura registra o social, presente e passado. Social este que só parcialmente poderá ser observado como uma estratégia de resistência e oposição à dominação colonial, devido à acumulação de transformações sócio-históricas determinadas, por exemplo, pelo multipartidarismo, por conflitos armados e civis pós-independência, pelas mudanças determinadas pelos capitais financeiros internacionais e, mais em geral, pela fases e transformações do sistema capitalista nos contextos sócio-econômicos de inúmeros países do continente africano.7 Tendo em conta os recentes desenvolvimentos dos debates teóricos e conceituais sobre a literatura-mundial/world-literature a partir da dimensão sistémica formulada por Franco Moretti (2000 e 2013) e posteriormente desenvolvida e adensada pelo Coletivo de Pesquisa de Warwick [Warwick Research Collective] (WREC 2015 e 2020), é possível refletir em torno de alguns dos paradigmas críticos que pautam os campos dos estudos literários africanos no contexto brasileiro (ou mais em geral de língua portuguesa) em contraponto com debates internacionais, procurando mapear suas transformações - presentes e futuras - frente aos desafios que marcam hoje o estudo da(s) literatura(s) (africanas), dentro e fora do Brasil.

Romance africano e (semi-)periferia #

As problemáticas que norteiam conceitualmente o projeto de pesquisa atualmente em curso - e de que este capítulo pretende, ainda que parcialmente, dar conta - se configuram como matriciais para o desenvolvimento de um percurso de reflexão que convoca alguns dos mais atuais debates críticos no campo das Humanidades com o intuito de se definir, por um lado, um campo de estudo (ou área disciplinar) - ainda inédito no contexto acadêmico brasileiro - tal como a das Literaturas Africanas Comparadas8 e, por outro lado, de sistematizar o debate crítico pós-colonial na sua relação com os estudos decoloniais, estudos culturais, estudos materialistas e estudos de gênero e feministas.9 Dois movimentos - distintos e, simultaneamente, complementares - que norteiam o projeto, e que, no caso do presente texto, serão apenas parcialmente apresentados, restringindo o foco ao campo dos estudos africanos, com especial ênfase na categoria conceitual de romance africano (semi-)periférico.

No que concerne o campo dos estudos literários africanos hoje cabe salientar a urgência de uma prática crítica e disciplinar pautada por pressupostos conceituais que, como afirma Gayatri C. Spivak, encarem o romance (africano) como “um meio cultural ativo” (active cultural media) e não como um “objeto para o estudo cultural” (as object of cultural studies), pensado e concebido a partir da “ignorância metropolitana” sobre seu significado e condições materiais e contextuais de sua produção (Spivak 2003). Particularmente emblemático a este respeito é o recurso ao conceito de tradição no que tange à observação do romance africano contemporâneo, apontando para significados críticos e interpretativos que parecem apontar para uma dimensão de exotismo antropológico (Huggan 2001) que caracterizou a recepção de determinados romances africanos, sobretudo no auge da afirmação das então chamadas “literaturas pós-coloniais”, especialmente nos contextos académicos norteamericano e britânico10. No âmbito deste pressuposto metodológico, minha reflexão visa propor a produtividade de uma categoria crítica que corresponde à designação de romance africano (semi-) periférico cuja estética se afasta do que vem sendo definido como realismo de tipo ideal (Lowy 2007), oferecendo a possibilidade de se reflectir sobre formas e estéticas que, pela sua periferalidade, oferecem registros literários que podem ser lidos através dos conceitos (políticos e estéticos) de combinação e desigualdade (WREC 2020). Esta hipótese conceitual e teórica é desenvolvida a partir das reflexões que pautam o campo da literatura comparada, no que concerne o género literário do romance como forma emblemática e privilegiada de registro social dentro do sistema econômico mundial moderno11 e será esboçada, neste texto, convocando obras literárias de diversas autorias e oriundas de contextos - linguísticos, geográficos e geopolíticos distintos - correspondendo ao pressuposto metodológico de textos escolhidos por sua dimensão paradigmática e não meramente exemplar (WREC 2020). Trata-se portanto de obras cuja sistematização parece desafiar as perspectivas nacionais e/ou linguísticas, apontando para as problematizações que assombram os quadros teóricos dos estudos literários africanos e comparados, sobretudo no que diz respeito ao debate que ocorre no âmbito da literatura(-)mundial/world(-)literature.12 Encarando a noção de romance africano (semi-)periférico como categoria teórica e conceitual central para a constituição do campo de estudo de Literaturas Africanas Comparadas, pretende-se esboçar a definição de um corpus que se configura como plausível ponto de partida para se pensar as literaturas africanas no âmbito de uma reflexão sobre literatura-mundial, de acordo com a proposta apresentada pelo Coletivo de Pesquisa de Warwick (Warwick Research Collective - WREC), e, portanto, encarando a literatura como registro das condições "combinadas e desiguais" que regulam as relações humanas, políticas e sociais no seio do sistema capitalista moderno.13

Observando a pesquisa que se debruça sobre as literaturas africanas, especialmente em contextos académicos de língua portuguesa, as teorizações de cariz linguística e nacional se apresentam como os quadros teóricos mais frequentemente utilizados e consolidados. Sobre este aspecto específico, as dimensões de rotura e continuidade com o paradigma da literatura colonial (Noa 2008) é central, apresentando uma clara contiguidade entre o campo crítico das literaturas africanas e a teorização sobre a formação da literatura brasileira. Desemboca deste pressuposto a centralidade dos eixos críticos que constituem a reflexão proposta por teóricos brasileiros de grande relevo no campo de estudos literários dentro e fora do Brasil como, por exemplo, Antonio Candido, Roberto Schwarz, Silviano Santiago e Alfredo Bosi, isto é, uma dimensão de alternância (dialética ou não) dominada por constelações conceituais quais ordem/desordem, local/universal, colonial/nacional, autóctone/estrangeiro, tradição/modernidade para se pensar os processos de formação da literatura dos países africanos de língua portuguesa.14

Para além disso, no que diz respeito ao campo de estudo das literaturas africanas de língua portuguesa, é também o conjunto de reflexões que correspondem à formação literária - o circuito essencial autor-livro-leitor - que encontra na comunidade interpretativa a sua mais produtiva aplicação.15 Penso, por exemplo, em obras como a Formação do Romance Angolano (Chaves 1999) ou ainda na obra crítica de ensaístas e académicas pioneiras nas áreas de Literaturas Africanas, como Maria Aparecida Santilli, Laura Cavalcante Padilha, Tania Macedo, Carmen Tindó Secco mas também, de outros lados do Atlântico, Fátima Mendonça, Lourenço do Rosário, Gilberto Matusse, Francisco Noa, Pires Laranjeira, Inocência Mata, Ana Mafalda Leite, entre outros. Em suma, inúmeros estudiosos que, em suas diversas obras ensaísticas, enxergam a teorização sobre formação literária proposta por Candido como um paradigma crítico de grande utilidade - quando não indispensável - para pensar a formação da literatura nacional nos países africanos de língua oficial portuguesa. Ora, para alguns destes estudiosos, os recortes cronológicos analisados correspondem, por um lado, àqueles das manifestações literárias (tal como estas são definidas na Formação da Literatura Brasileira) que antecipam a independência política propriamente dita, convocando, nalguns casos, obras e autores que se situam no período de consolidação e contestação da literatura colonial (por exemplo, os anos ‘40) e, por outro lado, as gerações de poetas e romancistas que, ainda sob o jogo da colonização portuguesa e do regime salazarista, antecipam em suas obras as poéticas de autonomia estética e autodeterminação política que inauguram a década tardia das independências na chamada África de língua portuguesa, que se darão, como é sobejamente conhecido, em 1974, quase 20 anos depois daquela que é considerada a primeira independência na África subsaariana: a independência do Gana em 1957. Portanto, entre os escritores que sustentam a categoria da formação literária nos países africanos de língua portuguesa, temos, pelo menos, duas gerações: a das décadas de ‘50 e ‘60, o período definido como colonialismo tardio e da Casa dos Estudantes do Império, e a da célebre geração de ‘80 (a geração da utopia, para citar o título do importante romance de Pepetela), e que foram gerações profundamente engajadas com a construção de uma nacionalidade literária e, por conseguinte, com um conjunto de problemáticas e questões que devem (ou não) pautar a literatura como prática sócio-cultural que se alia à construção política de uma nação independente e, finalmente, liberta do pacto colonial. Ora, neste aspecto específico, as dimensões de rotura e continuidade com aquilo que tem vindo a ser definido como paradigma da literatura ultramarina/colonial (Noa 2002) é sem dúvida central; rotura e continuidade que, neste sentido, se relacionam com as matrizes europeias da formação não apenas como dimensão ideológica abstracta – isto é, os modelos estéticos e literários - mas também com os repertórios culturais e literários mobilizados pela mesma intelectualidade africana. E aqui me refiro ao incontornável centro de incubação das literaturas africanas de língua portuguesa que foi a Casa dos Estudantes do Império - que funcionou em Lisboa entre 1944 e 1965 - onde a circulação de textos estrangeiros era significativa, configurando estas tradições como repertórios literários e modelos (originais) a partir dos quais estudantes das então colônias portuguesas se engajariam com a escrita literária desenvolvendo suas propostas estéticas. Daí também a centralidade dos eixos críticos que constituem a reflexão proposta por Antonio Candido na Formação isto é: uma dimensão estrutural dominada por constelações conceituais quais ordem/desordem, local/universal, nacional/estrangeiro, tradição/modernidade para se pensar os processos de formação das escritas literárias destes países. Para além disso, no que diz respeito ao campo de estudo das literaturas africanas de língua portuguesa – insisto na cartografia linguística com o intuito de um ênfase deliberada em função da reflexão que pretendo desenvolver mais adiante neste texto –, é também o conjunto de reflexões que correspondem à dimensão sistémica da formação literária, o circuito indissolúvel e primordial autor-livro-leitor que encontra na comunidade interpretativa a sua mais produtiva aplicação.

Dito isto, torna-se, portanto, fundamental procurar avançar algumas hipóteses que se prendem a uma mudança substancial ocorrida nos campos literários dos países africanos de língua portuguesa (e não só) e que inevitavelmente parece obrigar a (re)pensar as dinâmicas e as relações que caraterizam a literatura nestes contextos, apontando simultaneamente para um conjunto de transformações da própria noção de formação. Em suma, as perguntas que norteiam, como ponto de partida, a minha reflexão são as seguintes: para a observação crítico-interpretativa de obras literárias contemporâneas - especialmente do romance - nos países africanos de língua oficial portuguesa, fará ainda sentido recorrer ao paradigma da formação para se pensar crítica e teoricamente estas escritas da contemporaneidade? E, portanto – e já acenando para uma tentativa de resposta – a partir destas escritas, quais os pressupostos para se pensar a literatura como sistema em países onde o sistema literário, no sentido a ele atribuído por Antonio Candido, ainda manifesta sua precariedade, insipiência, quando não sua quase total inexistência? Ora, para que estas perguntas se tornem mais precisas, permitindo ensaiar respostas mais substantivas, torna-se necessário convocar dois pressupostos conceituais que julgo serem fundamentais. Por um lado, um aspecto que se prende com aquilo que é possível definir como pressuposto cronológico, isto é: como pensar a formação para as escritas do contemporâneo que, no caso de Moçambique, por exemplo, se situam após a independência, após a guerra dos 16 anos (ou guerra civil), após o início do multipartidarismo, após as crises que atravessam o partido FRELIMO – que há mais de quarenta anos lidera o poder político e a governança em Moçambique –, após o escândalo das dívidas ocultas, após o ingresso de capitais financeiros internacionais, (e a lista poderia continuar); em suma, após momentos e processos de natureza nacional, regional e global que são inevitavelmente registrados na literatura. Por outras palavras, de que modo a acumulação e a intersecção de transições e transformações políticas, econômicas, culturais e sociais tem transformado estética e conceitualmente o gênero do romance nas literaturas de língua portuguesa?

Por outro lado, surge o que é possível definir como pressuposto cartográfico, isto é, tendo em conta a importância da identidade linguística no surgir do campo de estudo de literaturas africanas (pelo menos em inglês, francês e português) e a sua relevância dentro da reflexão sistêmica proposta por Candido (autor-livro-leitor), de que forma a república das letras africanas em português16 (língua literária exclusiva dos países africanos que foram colónias de Portugal) opera comparativamente com seus homólogos, ainda que só francófonos ou anglófonos? Isto é, como comparar a dimensão sistêmica que sustenta um livro como Things fall apart de Chinua Achebe (1958) que vendeu entre 15 e 20 milhões de cópias e foi traduzido em mais de 60 línguas –, com os sistemas literários em que se inscrevem seus possíveis congêneres em português como Luuanda, de Luandino Vieira, A Geração de Utopia, de Pepetela ou ainda Terra Sonâmbula, de Mia Couto?

Não tendo aqui a possibilidade de apresentar uma discussão aprofundada – que passaria necessariamente por apresentar e analisar o levantamento quantitativo e qualitativo da literatura produzida nestes campos de estudos –17 gostaria, no entanto, de evidenciar, ainda que sinteticamente, a sua pertinência em vista, por um lado, de uma problematização da dimensão sistêmica das literaturas africanas e, por outro, para se (re)repensar - ou melhor , utilizando uma expressão em língua inglesa de difícil tradução para português, to un-think - a síntese entre tendências universalistas e particularistas - a dialética local/universal - como paradigma fundador da formação literária em diversos contextos africanos pós-coloniais, apontando para o que julgo ser uma revisão necessária dos conceitos subjacentes à ideia de formação, tal como esta é desenvolvida na obra de Antonio Candido, cuja operacionalidade me parece hoje menos eficaz de que no passado para se pensar o romance contemporâneo dentro e fora do continente africano.

No entanto, é importante reconhecer, de modo inequívoco, o relevo da formulação proposta por Candido, por um lado, para o estabelecimento do fundamental processo de singularização das literaturas africanas de língua portuguesa e, por outro lado, para a elaboração de periodizações historiográfico-literárias específicas. A este propósito, cabe salientar o que afirma Jéssica Falconi em seu artigo «Para além da Nação? Outras ‘decliNações’ das literaturas africanas de língua portuguesa» (2021):

O apelo de Cândido para o «tratamento peculiar» a ser reservado a cada literatura, «em virtude dos seus problemas específicos ou da relação que mantém com outras» (Cândido 2000: 9), bem como o modelo de análise da «formação» da literatura e do «sistema» literário nacional foram objeto de receção e apropriação nos estudos de literaturas africanas de língua portuguesa, configurando-se como suportes teóricos relevantes para a «decliNação» do paradigma nacional. De facto, ao abordar algumas apropriações do conceito de Cândido, Anita Moraes aponta para a relação entre o conceito de sistema literário nacional e as especificidades das literaturas surgidas em contextos coloniais (Moraes 2010:72). A distinção operada por Cândido entre a noção de sistema enquanto série «de obras ligadas por denominadores comuns», intimamente conectadas pela construção da consciência nacional, e aquela de um «triângulo autor-obra-público» é funcional, na releitura proposta por Moraes, para se identificarem dois distintos eixos de análise que têm vindo a caraterizar as apropriações do conceito: um eixo constituído pelos «elementos internos», isto é, «língua, temas e imagens partilhados» e um eixo formado pelos «elementos externos», leia-se, os produtores, os recetores, o mecanismo transmissor e a continuidade literária (Cândido 2000, 23; Moraes 2010, 66). (Falconi 2021, 21-22)

Trata-se, portanto, de um palimpsesto crítico fundamental, cuja reverberações – distintas e diversificadas sobretudo em termos conceituais e operativos – no campo de estudo de literaturas africanas de língua portuguesa – ontem e hoje – se configuram como passos fundamentais na perspectiva da consolidação deste campo de estudo, bem como em vista do fundamental processo de singularização destas literaturas e seus respectivos campos de reflexão crítica e estética. E a este propósito nota ainda Falconi:

Em particular, no que se refere ao Brasil, cabe de facto lembrar que uma abordagem mais autónoma das literaturas africanas, isto é, desvinculada dos estudos de literatura portuguesa, se foi construindo nas articulações teóricas e disciplinares dos Estudos Africanos e dos Estudos de Literatura Comparada, instituindo-se um espaço crítico marcado por múltiplas fronteiras e trajetórias, o que Laura Padilha definiu como «um entrelugar onde diferentes correlações de força começavam a articular-se» (Padilha 2002, 331). Neste paradigma, o laço linguístico, herdado pela história da colonização e do colonialismo, tem funcionado como ferramenta de construção do que Abdala Jr definiu como «comparatismo da solidariedade», alargando-se também a outras áreas geo-culturais, tais como a área «ibero-afro-americana» (Abdala Jr 2003,127). (Falconi 2021, 31).

No entanto, a proposta conceitual e metodológica que se pretende expor e explorar neste texto cabe naquilo que Falconi define como “DecliNações Comparatistas” (2021, 26) desembocando na formulação de algumas hipóteses críticas e metodológicas que se apresentam como mudanças substanciais ocorridas no campo de estudo de literaturas africanas e que, inevitavelmente, obrigam a repensar as dinâmicas e as relações que caracterizam a literatura nestes contextos, apontando simultaneamente para um conjunto de transformações dos paradigmas que pautam este campo de estudo, nomeadamente a literatura nacional, a formação e o sistema literário, a identidade linguística. Ora, os exemplos de obras literárias que apontam para possibilidade de revisão dos quadros de leitura e interpretação críticas que se inscrevem no campo do estudos literários poderiam ser inúmeros, e na impossibilidade de desenvolver uma análise mais pormenorizada18, é importante destacar, por exemplo, o caso de J. M. Coetzee, prêmio Nobel da Literatura em 2003, cuja obra literária ocupa um lugar singular no campo da literatura nacional sul-africana, bem como no âmbito dos debates críticos que pautam as literaturas africanas contemporâneas e a teoria pós-colonial. Ou, ainda, se pensar no caso de um autor moçambicano contemporâneo que apesar de sua já vasta obra literária permanece ainda hoje pouco estudado e lido em Moçambique e no exterior como João Paulo Borges Coelho. Escritor tardio - publica seu primeiro romance em 2003 - e, por diversas razões, apresenta um projeto literário que se enquadra com algum desajuste nas periodizações e nas estéticas que pautam a literatura moçambicana por desenhar, em sua obra, um percurso espaço-temporal profundamente sui generis - individual, residual e subjetivo (Brugioni et al. 2020) - com a preocupação de colocar o território que sua literatura registra numa dimensão estética e política que vai além das fronteiras ditas nacionais, dentro e fora do continente africano. Trata-se, em suma, de propostas literárias que apontam para uma revisão substancial dos paradigmas críticos que pautam o campo dos estudos sobre literaturas africanas bem como as constelações conceituais que configuram os estudos pós-coloniais. Desemboca, pela observação destas escritas, um nacional que, como haveria de escrever Roberto Schwarz, se manifesta por sua subtração (1987), obrigando a repensar um conjunto de paradigmas críticos – cópia, original, próprio, estrangeiro, tradição – que pautam a prática interpretativa e o estudo do romance africano contemporâneo*.*

A ideia de cópia discutida aqui opõe o nacional ao estrangeiro e o original ao imitado, oposições que são irreais e não permitem ver a parte do estrangeiro no próprio, a parte do imitado no original, e também a parte original no imitado (…) Salvo engano, o quadro pressupõe o seguinte arranjo de três elementos: um sujeito brasileiro, a realidade do país, a civilização das nações adiantadas - sendo que a última ajuda o primeiro a esquecer a segunda. Também este esquema é irreal e impede de notar o que importa, a saber, a dimensão organizada e cumulativa do processo, a força potenciadora da tradição, mesmo ruim, as relações de poder em jogo, internacionais inclusive. Sem prejuízo de seus aspectos inaceitáveis (para quem?) a vida cultural tem dinamismos próprios, de que a eventual originalidade, bem como a falta dela, são elementos entre outros. A questão da cópia não é falsa, desde que tratada pragmaticamente, de um ponto de vista estético e político, e liberta da mitológica exigência da criação a partir do nada. (Schwarz 1987)

Uma revisão que parece indicar perspectivações menos ideológicas e, portanto, mais pragmáticas, ou melhor, mais materiais, que tenham em seu horizonte os dinamismos não binários, não etnocêntricos ou essencialistas do cultural e do literário. Uma revisão que neste sentido se torna fundamental para ler e abordar obras literárias que se afastam dos corolários da literatura nacional e abrem possibilidades críticas ainda inéditas no campo de estudo das literaturas africanas contemporâneas, apontando para outras perspectivas comparatistas pautadas por pressupostos trans- e inter-linguísticos e trans- e pós-nacionais19 cujos desdobramentos são constituídos por itinerários de análise capazes de re-equacionar as relações sociais e culturais para além da nação e, sobretudo, de reconfigurar a relação entre local e universal, tradicional/moderno, autóctone/estrangeiro, no que concerne às possibilidade de escrever e narrar o contemporâneo20. Surge deste modo a possibilidade de desenvolver perspectivas comparatistas capazes de incorporar as transformações que atravessaram o campo dos estudos literários nos últimos, pelo menos, vinte anos, isto é:

(…) após a permanente subordinação da cultura às leis do mercado, o aparente declínio da importância, em termos relativos, da literatura em si como uma forma cultural, e o contínuo ataque à autonomia das humanidades – e, na verdade, à própria universidade sob sua aparência histórica de torre de marfim, um “mundo à parte”, para o mal ou para o bem por parte dos regimes de governo, negócio e mídia, todos inclinados de maneiras distintas à incorporação, ao controle e à regulação instrumental definida. (WREC 2020)

Pensando, por exemplo, nos paradigmas que pautam a recepção crítica das literaturas africanas, significaria ultrapassar o imperativo alegórico nacional - e me refiro aqui obviamente ao célebre (e bastante contestado) texto de Frederic Jameson (1987) - e que, em boa medida, está subjacente à utilização dos quadros críticos da Formação para a sistematização historiográfica das literaturas africanas de língua portuguesa. Isto é, olhar para o nacional literário a partir de uma leitura distante (Moretti 2013), re-orientando a relação entre forma literária, espaços políticos e transformação social e, sobretudo, colocando indivíduo e subjetividade entre os pressupostos primordiais para entender o papel da escrita literária e sua dimensão inevitavelmente política. A partir do reconhecimento da existência, ainda que só no campo da crítica às literaturas africanas em português, de obras literárias que só artificialmente podem ser observadas a partir da lente da sua identidade nacional e ou linguística e para as quais a dimensão de alegoria deixa de fazer sentido ou obriga a uma necessária revisão conceitual21, é possível desenhar itinerários interpretativos diversos capazes de ultrapassar as sistematizações linguísticas que ainda hoje moldam o campo de estudos das literaturas africanas, e, sobretudo, pensar as literaturas africanas a partir de temas e problemas que são formulados, pensados e - eventualmente - respondidos com materiais nacionais bem como estrangeiros; ou seja, onde a relação entre forma europeia – o romance – e materiais locais – a célebre e tão ambígua tradição – é relevante, não tanto em vista da sua relação dialética, mas da variação que esta “conciliação formal” é capaz de produzir (Jameson 1993 in Moretti 2013). A este propósito, como viria a dizer Franco Moretti nas célebres Conjeturas: "forma estrangeira, material local e forma local. Ou melhor: "enredo estrangeiro, personagens locais e ainda voz narrativa local"; e seria precisamente nessa dimensão tripartida que “esses romances parecem ser mais instáveis - mais incômodos” (Moretti 2013). Deste modo, o que a consolidação do campo de estudo de literaturas africanas comparadas proporciona é a possibilidade de pensar mais produtivamente a relação entre o literário e o social, entre forma e (trans)formação, entre sujeito e interesse, num gesto epistemológico tributário da metodologia e da teoria que pautam, por exemplo, os estudos de área (Spivak 2003) e os estudos sobre sistema-mundial moderno (Wallerstein 2004). Para além disso, a perspetiva comparada me parece se tornar fundamental para devolver algum significado - em termos conceituais e também epistemológico - àquilo que se tornou o chavão dos estudos literários e pós-coloniais, a nível global e também no Brasil hoje em dia: a tão almejada (e necessária) “descolonização do saber”.

Neste sentido, qualquer possibilidade de descolonização do literário nos diversos contextos do continente africano não passa por uma simples substituição do estrangeiro pelo nacional, ou do importado pelo autóctone, da literatura escrita pela literatura oral, do branco pelo negro, do homem pela mulher, mas sim pela interrogação das "estrutura de atitudes e referências" (Said 1993) que fundamentam um campo do saber. O debate que tem caracterizado a Literatura Comparada, sobretudo no que diz respeito a dois momentos primordiais: o surgir do campo de estudo da Literatura Mundial (world literature, com ou sem hífen) e a chamada “morte da disciplina" (Spivak 2003) me parece ser um ponto de partida extremamente produtivo para se pensar os desafios que, hoje em dia, o estudo de literaturas africanas enfrenta.

Trata-se, em suma, de repensar o vocabulário e a própria gramática crítica que pauta estes campos de estudo. À semelhança do que aconteceu durante os anos 2000 nos estudos de Literatura Comparada e da world-literature, a pergunta seria então: o que significa pensar e estudar as literaturas africanas hoje? Tendo em conta as transformações que o romance africano moderno tem registrado desde o momento da sua afirmação - tomando como ponto (estratégico) de partida a publicação de Things fall apart (1958) - quais revisões conceptuais e re-orientações críticas se tornam necessárias para ler e pensar estas escritas? São estas as questões que o projeto de pesquisa atualmente em curso ambiciona, ainda que parcialmente, responder e das quais este texto pretende, ainda que em parte, dar conta, com a firme convicção de que "o universo é o mesmo, as literaturas são as mesmas, apenas as olhamos de um ponto de vista diverso; e a pessoa vira um comparatista por uma razão bem simples: porque está convencida de que esse ponto de vista é melhor.” (Moretti 2013).

Referências #

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  1. Veja-se, a este propósito, a discussão proposta pelo Coletivo de Pesquisa de Warwick in WREC 2020. ↩︎

  2. A este propósito veja-se: Spivak 2003, WREC 2015 e Young 2012. ↩︎

  3. Utilizo esta definição apenas como síntese, ressalvando sua problematicidade em termos críticos e conceituais, sobretudo no campo de estudo de literaturas africanas. ↩︎

  4. Refiro-me, aqui, à equação entre pensamento filosófico europeu/ocidental e dimensão universal, questão amplamente debatida no campo da teoria crítica pós-colonial. Entre uma vasta bibliografia, veja-se: Souleymane Bachir Diagne (2013). ↩︎

  5. Paradigmática neste sentido é a quantidade de estudos que se debruçam sobre a questões e hábitos culturais específicos cuja representação literária leva a atribuições de autenticidade frequentemente errôneas. Penso especialmente no tópico da poligamia na obra de Paulina Chiziane, que tem determinadas leituras equivocadas sobre esta prática, entendida, portanto, como elemento comum ao contexto moçambicano ou avaliada como positiva ou negativa em termos culturais e sociais. ↩︎

  6. Esta dimensão é particularmente visível ao olhar para projetos de pesquisa apresentados no âmbito de processos seletivos de programas de pós-graduação, bem como para a obtenção de bolsas de pesquisas. ↩︎

  7. A este propósito, como afirma o Coletivo de Pesquisa de Warwick: “Certamente parece haver um consenso crescente de que a área dos estudos literários terá que se reinventar nos próximos anos – não apenas porque, submetida a pressões externas irresistíveis, não lhe restam outras opções, mas também porque o que se entende por “estudos literários”, o que isto significa e representa – assim como onde e como, e por quem e com quais fins – se tornaram (mais uma vez) questões prementes para os acadêmicos da área.” (WREC 2020, p. 21) ↩︎

  8. A categoria de Literaturas Africanas Comparadas aponta para um âmbito/campo disciplinar onde são articulados os paradigmas dos estudos de área (cf. Estudos Africanos, Estudos do Oceano Índico, Estudos do Atlântico, entre outros) com os pressupostos críticos que pautam os mais recentes desenvolvimentos dos estudos de literaturas comparadas e literatura(-)mundial (Moretti 2013; WREC 2015 e 2020). Não me refiro, portanto, à prática de comparar obras e autores(as) que se inscrevem em diversos contextos geo-políticos ou que escrevem em línguas distintas, mas, sim, a uma prática crítica que intersecciona conceitos e pressupostos metodológicos próprios do campo comparatista. Veja-se a este propósito Brugioni 2019. ↩︎

  9. A serem entendidos como campos contíguos e, simultaneamente, divergentesm sobretudo no que diz respeito aos seus mais recentes debates críticos e desdobramentos conceptuais. ↩︎

  10. Ver a reflexão proposta por Gram Huggan, por um lado, in Huggan 2001 e, numa perspectiva bastante distinta por Aijaz Ahmad em Ahmad 2002. ↩︎

  11. Ver, a este propósito: Said 1993, Jameson 2002; Moretti 2013; WREC 2015 e 2020. ↩︎

  12. Adopto esta dupla grafia para salientar os diferentes entendimentos e quadros críticos que sustentam a categoria de literatura mundo (world literature) e literatura mundial (world-literature) com e sem hífen. A este respeito veja-se WREC 2020 e Medeiros 2019. ↩︎

  13. Para uma discussão em torno das possibilidades teóricas do conceito de literatura-mundial proposto pelo WREC no campo das literaturas de língua portuguesa, veja-se Paulo de Medeiros “11 1⁄2 Teses sobre o conceito de Literatura-Mundial” (Medeiros 2019). ↩︎

  14. A este respeito vejam-se os trabalhos desenvolvidos por estudiosos e estudiosas que se debruçam sobre os processos de formação destas literaturas, entre uma vasta bibliografia gostaria de destacar os trabalhos de Laura Cavalcante Padilha sobre Literatura Angolana e o de Ana Mafalda Leite sobre a Literatura Moçambicana. ↩︎

  15. O paradigma da formação elaborado por Antonio Candido é, sem dúvida, o aparato crítico mais significativo (a nível quantitativo e qualitativo) no campo dos estudos de literaturas africanas em contexto brasileiro e, mais em geral, nos contextos acadêmicos de língua portuguesa, apresentando-se como um recurso crítico fundamental no processo de singularização das cinco literaturas africanas escritas em língua portuguesa e, portanto, um aparato conceitual determinante na definição - crítica e institucional - destes sistemas literários na perspetiva de literaturas nacionais. ↩︎

  16. A referência aqui é obviamente de Pascal Casanova (1999). ↩︎

  17. O levantamento quantitativo se encontra ainda em fase de elaboração quando da escrita deste texto, não sendo, portanto, possível apresentar os dados ainda que parciais desta pesquisa. Cabe, no entanto, salientar que esta parte da pesquisa será publicada no âmbito dos resultados parciais e finais do Projeto de Pesquisa Fapesp atualmente em curso e vigente até finais de 2023. ↩︎

  18. O corpus em análise no âmbito do projeto de pesquisa "Comparativismos Combinados e Desiguais. Repensar o campo dos estudos literários africanos e pós-coloniais à luz do debate sobre literatura-mundial" é constituído pelos seguintes autores e autoras: Abdourahman A. Waberi; Abdulrazak Gurnah; Ananda Devi; Chimamanda Ngozi Adichie; João Paulo Borges Coelho; J.M. Coetzee; M.G. Vassanji; Nadine Gordimer; Nuruddin Farah. Trata-se, no entanto, de uma seleção inicial e portanto suscetível às transformações decorrentes das pesquisas a serem desenvolvidas no âmbito do projeto. ↩︎

  19. A noção de pós-nacional é tributária da reflexão desenvolvida sobre o pós- em pós-colonial por Homi K. Bhabha (Bhabha 1994) e, portanto, um pós que não aponta para um depois (temporal e/ou espacial) mas foca a dimensão de persistência transformada e recursividade (Stoler 2011), neste caso, do nacional. ↩︎

  20. Afirma, a este propósito, Jéssica Falconi: "Assim, um conjunto de investigadores [pesquisadores], entre os quais se destacam os de uma geração mais recente, tem vindo a apostar numa renovada «decliNação» comparatista que visa problematizar tanto o estudo estritamente «nacional» dos corpora destas literaturas, convocando a dimensão comparada para «declinar», isto é, recusar a Nação como unidade de análise fechada e única, quanto as fronteiras linguísticas herdadas pelos estudos das literaturas africanas contemporâneas — lusofonia, francofonia, anglofonia, etc." (Falconi 2021, 29) ↩︎

  21. A este propósito veja-se a utilização do conceito de realismo alegórico em João Paulo Borges Coelho proposta por Paulo de Medeiros in Brugioni et al 2020, 219-247. ↩︎

Para citar este texto:

Elena Brugioni. 2023. « Comparativismos Combinados e Desiguais. Repensar o campo dos estudos literários africanos à luz do debate sobre literatura-mundial ». In Colonialismos e Colonialidades: teorias e circulações em português e francês, Guerellus, Natália. Lisbonne-Lyon : Theya Editores - Marge - MSH Lyon Saint-Étienne. https://cosr.quaternum.net/pt/07.

Elena Brugioni

Universidade Estadual de Campinas (Brasil)

elenab@unicamp.br

Elena Brugioni é professora Associada (Livre Docente) de Literatura Comparada no Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas e co-coordenadora do KALIBAN - Centro de Pesquisa em Estudos Pós-coloniais e Literatura-Mundial (CNPq).